Hoje me emocionei de verdade numa audiência de adoção no meu trabalho, um homem ao falar da criança que estava adotando se emocionou tanto que eu chorei junto a ele. Sabe aquele momento que você tenta encontrar as palavras perfeitas pra descrever alguém e então você lembra do rosto da pessoa e de tudo o que ela faz, como ela é, o que vocês já fizeram juntos, e então você tenta não chorar, mas não consegue, e então as lagrimas caem e as palavras perfeitas que você tinha encontrado pra descrever a pessoa simplesmente desaparecem, e então você começa a falar com a emoção, e então você chora descontroladamente, mesmo tentando não chorar, aí todas as pessoas que estão perto de você, vendo sua emoção verdadeira, se emocionam também, bom foi isso que aconteceu hoje.
A criança é filha de uma índia de 18 anos, que depois de engravidar foi abandonada pelo namorado (nem sei se namorado é a palavra certa pra usar, porque o relacionamento deles não era bem um namoro), sozinha, sem condições de cuidar de uma criança, na verdade sem condições de cuidar dela própria, ela optou por entregar a criança, pois ela sabia que eles iriam cuidar dela melhor do que ela, dar a criança tudo o que ela não poderia dar. Essa foi a primeira prova de amor a essa criança. Alguns podem dizer que não, que não é prova de amor uma mãe dar o próprio filho, mas ficar com a criança não seria amor, seria egoísmo, amor é quando mesmo querendo ter uma pessoa sempre por perto estamos dispostos a fazer sacrifícios para que ela fique bem, para que seja feito o melhor para o ser amado, amor é sacrifício, amor é sacrificar o próprio amor só para o ser amado ser feliz. Mesmo contado com sua pouca idade, a adolescente índia amou demais o filho a ponto de se sacrificar só pra que ele fosse bem cuidado.
A segunda prova de amor pela qual essa criança passou foi a aceitação por parte do casal adotante: um casal branco, que a acolheu com todo amor e carinho que alguém poderia merecer, sem se importar com raça, cor, etnia ou qualquer outra coisa. Isso foi provado pelo depoimento do homem, foi tão comovente, tão sincero, que qualquer um que estivesse naquela sala e possuísse um pingo de sentimentos sequer se emocionaria. Ele falava daquele jeito que só quem ama de verdade alguém ou alguma coisa fala. O Juiz perguntou a ele se ele estava ciente das responsabilidades que a adoção daquela criança trazia, se ele entendia e irreversibilidade daquele ato, se ele entendia que adotar uma criança não era como pegar um bichinho de estimação e depois que ele não fosse mais bonitinho abandoná-lo, deixa-lo a própria sorte, foi ao responder estas perguntas que o homem demonstrou que aquela criança jamais poderia ser mais amada do que ele e a esposa já o amavam. Ele falou com lágrimas escorrendo pela face que aquela criança já era muito amada, que eles haviam esperado por ela há muito tempo, que ela já havia cativado e se instalado no coração deles de tal forma que seria impossível retirá-la de lá, ele falava tudo isso tentando controlar as incontroláveis lágrimas. Era engraçado e emocionante ver ele falando, ele parava de vez em quando no meio das frases tentando não soluçar na palavra seguinte. Eu como mera escrivã daquela audiência, embora precisasse manter a sisudez e a não-participação, não consegui me conter, e chorei, chorei junto ao homem, chorei copiosamente e desavergonhadamente, a ponto do juiz perguntar ao final da audiência se eu estava me sentindo bem, ao que respondi que sim, que apenas não conseguia ver gestos de amor tão lindos se me emocionar.
Acho que essa criança será feliz. Ela vai ser feliz porque vai ser amada, ou melhor, é amada. Amada por sua jovem mãe que teve coragem e amor suficiente pra abrir mão de seu egoísmo e entrega-la a quem a amaria mais e a ampararia melhor. Amada por seus novos pais que mesmo não tendo nenhuma relação sanguínea com ela já a consideram a maior bênção de sua vida. É tão bom ter esperanças de que o amor ainda existe, que o preconceito é pequeno diante da bondade, da aceitação, do respeito. Eu espero que todos eles sejam felizes. Espero que a vida continue me apresentando boas surpresas, me dando a cada dia, quando eu já estiver prestes a desistir, novas esperanças de que, afinal de contas, o amor possa existir.